domingo, 22 de julho de 2018


Qual é a paixão que move sua vida?

 Sobre o descobrimento e o enfrentamento das nossas paixões

   Um dos filmes que costumo lembrar com mais carinho, dentre aqueles que assisti nos últimos anos, é o argentino O Segredo dos Seus Olhos (2009). Brilhantemente dirigido por Juan José Campanella, reúne tantas virtudes simultâneas, que não é fácil enumerar seus méritos e as razões do seu sucesso. Roteiro muito acima da média, trama policial que foge dos clichês que assolam o gênero, atmosfera noir, história de amor que permeia todo o longa, ora se apresentando nas entrelinhas e ora assumindo papel central. E como se não bastasse, conta com atuações brilhantes dos atores, onde se destaca o sempre perfeito Ricardo Darín.
   No filme, Benjamín Espósito (Ricardo Darín), recém aposentado funcionário do sistema judiciário, resolve escrever um livro e resgatar a história de um homicídio de uma jovem, ocorrido há 25 anos. O caso, arquivado na época por falta de provas, nunca foi esquecido por Espósito, que  desenvolve uma obsessão por investigá-lo e encontrar o responsável. Mesmo com esse plot aparentemente convencional, se eu tivesse que resumir o tema central do filme em uma palavra, eu diria que o longa trata das Paixões. Todos os personagens, de formas diferentes, agem em busca das suas paixões e são consumidos por elas. A cena mais impactante do filme para mim é aquela em que Sandoval (Guillermo Francella) enuncia em tom revelador que as pessoas são capazes de mudar de tudo (de casa, de cara, de namorada, de família, de religião ou de Deus), mas há uma coisa que são incapazes de mudar: de paixão. Assistir essa cena, devidamente contextualizada no enredo do filme, nos leva à importante reflexão sobre qual é a verdadeira paixão da nossa vida, aquela que não estamos dispostos à abrir mão por nada...


 Cena do filme O Segredo dos Seus Olhos (2009).

     A paixão humana foi objeto de estudo de inúmeros tratados. Não raro, é colocada lado a lado com a loucura, visto que seus traços reservam notáveis semelhanças. Mas é Henry Miller, escritor estado-unidense, que traz o pensamento que mais gosto para tratar do tema. Miller foi um gênio da literatura, injustamente lembrado por muitos apenas pelas polêmicas causadas pelos seus livros, censurados pelas supostas passagens pornográficas. Símbolo de uma geração de artistas apaixonados pela arte e pensadores anti-establishment, Miller atesta que: "para conhecer a paz, o homem tem de experimentar o conflito. Tem de atravessar o estágio heroico antes de poder agir como sábio. Tem de ser vítima de suas paixões antes de poder se elevar acima delas. Para despertar a natureza apaixonada do homem, para entregá-lo ao diabo e expô-lo ao teste supremo, é preciso haver um conflito que envolva algo mais que país, princípios políticos, ideologias, etc. O homem em revolta contra sua nauseabunda natureza - essa é a verdadeira guerra. E essa é uma guerra sem sangue que continua para sempre, sob o nome pacífico de evolução."

 Henry Miller, autor de Pesadelo Refrigerado (1945).

     Henry Miller escreveu essa passagem em 1945, na obra "Pesadelo Refrigerado", justamente quando fugia dos horrores da Segunda Guerra Mundial, que eclodira na Europa. Sabia, portanto, do que falava quando mencionava a verdadeira guerra. O homem como vítima de suas paixões, buscando sua evolução em uma luta contra sua própria natureza. Uma guerra sem sangue, capaz de conduzi-lo a um conflito com potencial de entregá-lo ao diabo, mas com a sedutora promessa de lhe trazer a paz! Para infortúnio de alguns e felicidade (ou seria evolução?) de outros, soma-se o fato de que essas paixões não podem ser mudadas... Afortunados aqueles que identificam suas paixões e são capazes de se elevar além delas.

Sem comentários:

Enviar um comentário