quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Os 50 melhores filmes que assisti em 2020


      Adoro listas de filmes e esse ano resolvi publicar os melhores filmes que tive a chance de ver nos últimos 365 dias. Eu sei, muitos deles você já deve ter visto em anos anteriores! Mas eu não faço questão de assistir prontamente aquele último lançamento que está todo mundo comentando. Coloco na lista e assisto depois. Uma prática que adotei desde o lançamento de Titanic em 1997, quando vi as filas quilométricas que se acumulavam nas bilheterias dos cinemas. Acabou que eu não assisti o filme até hoje 😳
       Sendo assim, apresento abaixo a relação dos 50 melhores filmes que vi em 2020, independente de quando foram lançados. Priorizei na lista os filmes mais contemporâneos (os mais antigos da lista foram lançados em 2012), pois nesse ano me concentrei mais nos filmes realizados nessa década de 2011-2020. Assisti nesse 2020 pandêmico alguns clássicos (e outros filmes mais antigos não tão clássicos assim) muito interessantes também, mas preferi deixar estes de lado nessa relação.
       A lista está dividida em duas partes: na primeira estão aqueles que eu considerei os 25 melhores filmes que assisti no ano. Eles estão em ordem alfabética e não estabelecem relação com a minha preferência, até porque seria muito difícil classificá-los dessa forma, já que gostei bastante de cada um deles, por razões diversas. Deixei um link para download desses filmes usando minha conta do Mega. É super seguro baixar e já vem com as legendas em português (para isso, baixe os dois arquivos da pasta de cada filme e não altere seus nomes). Para reproduzir depois do download, basta um Player de Video em um PC ou notebook, mas minha sugestão mesmo é copiar os arquivos baixados para um pendrive ou HD externo e conectar em uma entrada USB de uma TV. Talvez você, leitor mais jovem ou mais cibernético que eu, tenha outra sugestão mais prática.
       Na segunda parte da lista estão os outros 25 filmes que eu também gostei bastante no ano, mas que ficaram um degrau abaixo na minha preferência em relação aos 25 primeiros. É sempre uma escolha difícil fazer esse tipo de ranking, mas eu acabei optando por dividir a lista dessa forma. Para esta segunda parte da relação, os arquivos não estão disponíveis para download (minha conta do Mega é limitada😔) e eles também estão em ordem alfabética. Nas duas listas, coloquei os links para o IMDb (Internet Movie Database), caso queiram saber mais detalhes sobre os filmes.
       Espero que aproveitem!

Parte 1. Os 25 melhores


O Abraço da Serpente (Ciro Guerra, COL/VEN/ARG, 2015) - Link para IMDb


Amizades Improváveis (Rob Burnett, EUA, 2016) - Link para IMDb

Um Amor Impossível (Catherine Corsini, FRA/BEL, 2018) - Link para IMDb

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Anomalisa (Duke Johnson, Charlie Kaufman, GBR/EUA, 2015) - Link para IMDb

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Baseado em Fatos Reais (Roman Polanski, FRA/POL/BEL, 2017) - Link para IMDb

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Border (Ali Abbasi, SUE/DIN, 2018) - Link para IMDb

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Corpo e Alma (Ildikó Enyedi, HUN, 2017) - Link para IMDb

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A Dançarina (Stéphanie Di Giusto, FRA/BEL,TCH, 2016) - Link para IMDb

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O Dia Depois (Sang-soo Hong, COR, 2017) - Link para IMDb


Elle (Paul Verhoeven, FRA/ALE/BEL, 2016) - Link para IMDb

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Em Pedaços (Fatih Akin, ALE/FRA, 2017) - Link para IMDb

A Espiã Vermelha (Trevor Nunn, GBR, 2018) - Link para IMDb

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O Estranho que Nós Amamos (Sofia Coppola, EUA, 2017) - Link para IMDb

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Um Instante de Amor (Nicole Garcia, FRA/BEL/CAN/ESP, 2016) - Link para IMDb

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Kóblic (Sebastián Borensztein, ARG/ESP, 2016) - Link para IMDb

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Life, Animated (Roger Ross Williams, EUA, 2016) - Link para IMDb

Ma ma (Julio Medem, ESP/FRA, 2015) - Link para IMDb

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Me Chame pelo Seu Nome (Luca Guadagnino, ITA, 2017) - Link para IMDb

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Uma Mulher Fantástica (Sebastián Lelio, CHI/ESP/ALE, 2017) - Link para IMDb

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Mulheres do Século 20 (Mike Mills, EUA, 2016) - Link para IMDb

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O Ódio Que Você Semeia (George Tillman Jr., EUA, 2018) - Link para IMDb

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A Odisseia dos Tontos (Sebastián Borensztein, ARG/ESP, 2019) - Link para IMDb

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Parasita (Bong Joon Ho, COR, 2019) - Link para IMDb

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Respire (Mélanie Laurent, FRA, 2014) - Link para IMDb

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Sete Dias em Havana (Laurent Cantet, Benicio Del Toro, FRA/CUB/ESP, 2012) - Link para IMDb

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Parte 2. Os outros 25 filmes


120 Batimentos por Minuto (Robin Campillo, FRA, 2017) - Link para IMDb

Um Amor Inesperado (Juan Vera, 2018) - Link para IMDb

Aniquilação (Alex Garland, GBR, 2018) - Link para IMDb

Artista do Desastre (James Franco, EUA, 2017) - Link para IMDb

O Conto (Jennifer Fox, EUA/ALE, 2018) - Link para IMDb

Um Dia de Chuva em Nova York (Woody Allen, EUA, 2019) - Link para IMDb

Doentes de Amor (Michael Showalter, EUA, 2017) - Link para IMDb

Dogman (Matteo Garrone, ITA/FRA, 2018) - Link para IMDb

Dunkirk (Christopher Nolan, GBR/HOL/FRA/EUA, 2017) - Link para IMDb

Emicida: AmarElo - It's All for Yesterday (Fred Ouro Preto, BRA, 2020) - Link para IMDb

Entre Facas e Segredos (Rian Johnson, EUA, 2019) - Link para IMDb

Escudo de Palha (Takashi Miike, JAP, 2013) - Link para IMDb

O Formidável (Michel Hazanavicius, FRA/MIA, 2017) - Link para IMDb

Hannah Arendt (Margarethe von Trotta, ALE/LUX/FRA/ISR, 2012) - Link para IMDb

Lady Bird: A Hora de Voar (Greta Gerwig, EUA, 2017) - Link para IMDb

LBJ: A Esperança de uma Nação (Rob Reiner, EUA, 2016) - Link para IMDb

Oitava Série (Bo Burnham, EUA, 2018) - Link para IMDb

Projeto Flórida (Sean Baker, EUA, 2017) - Link para IMDb

Sacrifício do Cervo Sagrado (Yorgos Lanthimos, IRL/GBR/EUA, 2017) - Link para IMDb

Sem Amor (Andrey Zvyagintsev, RUS/FRA/ALE/BEL, 2017) - Link para IMDb

Sergio (Greg Barker, EUA, 2020) - Link para IMDb

The Square: A Arte da Discórdia (Ruben Östlund, SUE/ALE/FRA/DIN, 2017) - Link para IMDb

Trama Fantasma (Paul Thomas Anderson, EUA/GBR, 2017) - Link para IMDb

Western (Valeska Grisebach, ALE/BUL/AUT, 2017) - Link para IMDb

Z: A Cidade Perdida (James Gray, EUA, 2016) - Link para IMDb

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O que ainda está por vir?

 O Jardim dos Finzi Contini e o Museu Nacional do Rio de Janeiro

   Comecei a semana atônito, como muitos brasileiros, ao receber a notícia de que na noite de domingo um incêndio de proporções avassaladoras atingiu aquele que talvez seja o museu nacional que abriga o maior acervo histórico, cultural e científico do país. As causas da tragédia ainda são desconhecidas, mas sabe-se, dentre outros aspectos noticiados na imprensa, que a dificuldade em controlar o incêndio para impedir que as chamas se alastrassem passou pela falta de água nos hidrantes (!!) do local. As últimas notícias informam ainda que os cerca de 20 milhões de itens armazenados no museu foram destruídos em praticamente sua totalidade. Descrever com palavras o tamanho dessa tragédia e o prejuízo humanitário que ela representa é algo que extrapola minhas habilidades narrativas. Nesse momento, muita gente se manifesta com muito mais propriedade a esse respeito e eu prefiro compartilhar apenas o sentimento de vergonha descrito pelo jornalista Marcos Augusto Gonçalves no seu post intitulado com uma pergunta desafiadora: "Como explicar ao futuro que deixamos o Museu Nacional virar cinza?" O texto citado pode ser conferido clicando aqui.
  O baque produzido por um acontecimento trágico dessa proporção seria, por si só, difícil de ser assimilado por qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade para compreender a importância histórica e  cultural de um museu desse porte. Entretanto, o que causa consternação no Brasil contemporâneo é a sucessão de catástrofes que tem nos assolado sucessivamente: um dia, é o principal museu do país que vira cinzas; no outro, o rompimento de uma barragem que deixa um rastro de destruição e morte; um pouco mais adiante, uma ocupação popular de 24 andares que desaba após um incêndio... Em meio (e por trás) desse cenário, desastres ainda mais relevantes são noticiados de forma corriqueira: os investimentos públicos do governo federal são congelados por um período de 20 anos; uma reforma trabalhista é aprovada praticamente sem discussões e em pouco tempo já traz consequências previsíveis para o aumento da desigualdade social no país, que atinge níveis alarmantes... A pergunta óbvia que qualquer cidadão sensato deve fazer depois de tantos atentados sucessivos (à nossa memória, cultura, meio-ambiente, saúde, educação, relações trabalhistas, etc.) é a seguinte: O que ainda está por vir?
   Esse sentimento de impotência perante o descaso observado no tratamento dos direitos básicos dos cidadãos de um país me trouxe à memória um dos grandes filmes do cinema italiano de todos os tempos - o clássico O Jardim dos Finzi Contini (1970). Dirigido por Vittorio de Sica, um dos mais sensíveis cineastas italianos e mais importantes ícones do neo-realismo, o longa retrata com sutileza a sucessão de acontecimentos em Ferrara, no período que antecede a II Guerra Mundial. Os Finzi Contini são judeus que pertencem à aristocracia local, mas que já não podem participar das partidas de tênis no clube da cidade pelas novas leis vigentes. Recebem, portanto, seus amigos no jardim da sua propriedade, onde há uma quadra de tênis e tudo parece caminhar bem dessa forma. Pouco tempo depois, são informados, pelas notícias publicadas no jornal, que os casamentos entre judeus e arianos estão proibidos e que aos judeus também não se permite mais que tenham empregados arianos em suas residências ou estabelecimentos comerciais. O cerco vai se fechando e a cada nova notícia recebida a tensão vai aumentando. Mas o grande mérito do filme consiste em representar o início de uma das maiores tragédias da história da humanidade como se o que estivesse por vir fosse algo natural, indigno de grandes preocupações. Em uma dada cena, o pai do protagonista (Lino Capolicchio) atesta, mesmo sendo judeu, que as restrições a eles impostas não devem ser vistas pelo filho de maneira tão negativa, visto que eles ainda tem direito à propriedade, dentre outras coisas...


O Jardim dos Finzi Contini (1970).

   Em uma das cenas mais emblemáticas do filme, a família de judeus está reunida na mesa para celebrar a Páscoa, entoando cânticos hebraicos e são interrompidos pelo toque do telefone. A desgraça pode estar sendo anunciada através da chamada telefônica, mas é preciso continuar vivendo... Guardadas as devidas proporções, silenciosamente eles fazem a pergunta que cada vez mais passa pela cabeça dos brasileiros: O que ainda está por vir?
   A comparação pode parecer exagerada se considerarmos os contextos históricos de cada caso, mas fico com sérias dúvidas quando gasto alguns minutos para ler os comentários publicados nos portais de notícias, a respeito do incêndio ocorrido no Museu Nacional. Transcrevo alguns aqui,  fruto de uma garimpagem de apenas 2 minutos:

"O passado não me representa, quero saber do futuro, histórias que pertecem ao passado não fazem diferença na vida de ninguém! Vamos viver o presente e lutar para um futuro sem essa bandidagem do legislativo e stf."


"Ninguém ligava pra essa M mesmo, queimou foi tarde demais!"


"O passado não mata a fome de ninguém! Temos que ter é comida na mesa, emprego para o povo, saúde, educação etc. e um país sem o bandido do Gilmar! Isso sim é o que conta de verdade!"


"O que tinha de tão importante nesse lugar? Por acaso a história da Seleção Canarinho? Alguma taça da copa se perdeu?"


"Que história, o quê! E esses estudantes sabem alguma coisa? Eles nem sabem quem era o presidente em 1990. E agora ficam ai posando de defensores de museu? Borrachada no lombo deles. O ideal é guardar em um depósito as velharias do museu, derrubar o palácio incendiado e construir prédios modernos na área."


"Irão gastar bilhões para reformar esse museu... E a população passando fome."


"Tanto dinheiro foi dado via lei Rouanet pra esses artistas de esquerda e o museu abandonado..."


   Essa combinação de ignorância e nacionalismo soa como um prato cheio para a manipulação política e já produziu os episódios mais degradantes da história da humanidade. Na cena final do Jardim dos Finzi Contini, quando os judeus são levados pela polícia fascista e segregados provisoriamente em uma escola local, a encantadora personagem Micol (interpretada por Dominique Sanda) se lamenta pelo ocorrido com o pai de Giorgio (Romolo Valli) e este a consola com a seguinte frase: "agradeça a Deus, porque ao menos eles nos deixaram juntos, nós de Ferrara". Espero, de verdade, que a gente tenha melhor sorte no Brasil e que possa agradecer por alcançar graças mais reconfortantes do que essa.


  

domingo, 22 de julho de 2018


Qual é a paixão que move sua vida?

 Sobre o descobrimento e o enfrentamento das nossas paixões

   Um dos filmes que costumo lembrar com mais carinho, dentre aqueles que assisti nos últimos anos, é o argentino O Segredo dos Seus Olhos (2009). Brilhantemente dirigido por Juan José Campanella, reúne tantas virtudes simultâneas, que não é fácil enumerar seus méritos e as razões do seu sucesso. Roteiro muito acima da média, trama policial que foge dos clichês que assolam o gênero, atmosfera noir, história de amor que permeia todo o longa, ora se apresentando nas entrelinhas e ora assumindo papel central. E como se não bastasse, conta com atuações brilhantes dos atores, onde se destaca o sempre perfeito Ricardo Darín.
   No filme, Benjamín Espósito (Ricardo Darín), recém aposentado funcionário do sistema judiciário, resolve escrever um livro e resgatar a história de um homicídio de uma jovem, ocorrido há 25 anos. O caso, arquivado na época por falta de provas, nunca foi esquecido por Espósito, que  desenvolve uma obsessão por investigá-lo e encontrar o responsável. Mesmo com esse plot aparentemente convencional, se eu tivesse que resumir o tema central do filme em uma palavra, eu diria que o longa trata das Paixões. Todos os personagens, de formas diferentes, agem em busca das suas paixões e são consumidos por elas. A cena mais impactante do filme para mim é aquela em que Sandoval (Guillermo Francella) enuncia em tom revelador que as pessoas são capazes de mudar de tudo (de casa, de cara, de namorada, de família, de religião ou de Deus), mas há uma coisa que são incapazes de mudar: de paixão. Assistir essa cena, devidamente contextualizada no enredo do filme, nos leva à importante reflexão sobre qual é a verdadeira paixão da nossa vida, aquela que não estamos dispostos à abrir mão por nada...


 Cena do filme O Segredo dos Seus Olhos (2009).

     A paixão humana foi objeto de estudo de inúmeros tratados. Não raro, é colocada lado a lado com a loucura, visto que seus traços reservam notáveis semelhanças. Mas é Henry Miller, escritor estado-unidense, que traz o pensamento que mais gosto para tratar do tema. Miller foi um gênio da literatura, injustamente lembrado por muitos apenas pelas polêmicas causadas pelos seus livros, censurados pelas supostas passagens pornográficas. Símbolo de uma geração de artistas apaixonados pela arte e pensadores anti-establishment, Miller atesta que: "para conhecer a paz, o homem tem de experimentar o conflito. Tem de atravessar o estágio heroico antes de poder agir como sábio. Tem de ser vítima de suas paixões antes de poder se elevar acima delas. Para despertar a natureza apaixonada do homem, para entregá-lo ao diabo e expô-lo ao teste supremo, é preciso haver um conflito que envolva algo mais que país, princípios políticos, ideologias, etc. O homem em revolta contra sua nauseabunda natureza - essa é a verdadeira guerra. E essa é uma guerra sem sangue que continua para sempre, sob o nome pacífico de evolução."

 Henry Miller, autor de Pesadelo Refrigerado (1945).

     Henry Miller escreveu essa passagem em 1945, na obra "Pesadelo Refrigerado", justamente quando fugia dos horrores da Segunda Guerra Mundial, que eclodira na Europa. Sabia, portanto, do que falava quando mencionava a verdadeira guerra. O homem como vítima de suas paixões, buscando sua evolução em uma luta contra sua própria natureza. Uma guerra sem sangue, capaz de conduzi-lo a um conflito com potencial de entregá-lo ao diabo, mas com a sedutora promessa de lhe trazer a paz! Para infortúnio de alguns e felicidade (ou seria evolução?) de outros, soma-se o fato de que essas paixões não podem ser mudadas... Afortunados aqueles que identificam suas paixões e são capazes de se elevar além delas.

terça-feira, 3 de julho de 2018

A responsabilidade dos Proficientes.

 Qual a parte que nos cabe em uma sociedade onde entender e ser compreendido está em processo de extinção?


  Muito se tem falado nos últimos anos a respeito do analfabetismo funcional, que assola parte da população brasileira e dificulta a comunicação e o debate de ideias no país. Eu não pretendia repetir aqui o que já foi dito sobre esse tema bastante explorado, mas só recentemente fui buscar as informações oficiais e pude então constatar a riqueza assustadora dos dados disponíveis sobre o assunto.
  Para quem quiser se aprofundar, recomendo fortemente a visita ao site do Instituto Paulo Montenegro, onde o Inaf (Indicador de Analfabetismo Funcional) é apresentado como instrumento utilizado para mensurar o nível de alfabetismo da população brasileira entre 15 e 64 anos. A pesquisa é realizada com apoio do IBOPE Inteligência e tem sido realizada no país desde 2001, sendo que os últimos dados publicados se referem à pesquisa realizada em 2015.
  De acordo com os resultados da última pesquisa, 4% da população brasileira com idade entre 15 e 64 anos é Analfabeta; e outros 23% são considerados com nível de alfabetização Rudimentar. Estas duas classes somadas, portanto 27% da população amostrada, são os chamados analfabetos funcionais. Para que se tenha uma ideia do que isso representa, a maior parte dos ditos analfabetos funcionais é capaz de ler e escrever números familiares, efetuar operações matemáticas elementares e reconhecer os nomes dos sinais de pontuação. Entretanto, estes já apresentam problemas sérios com interpretação de textos, cálculo de troco em operações de compras de mercadorias, leitura de gráficos e tabelas. Um a cada quatro brasileiros está nesse barco!
  A mesma pesquisa ainda atesta que a maior parcela da população (42%) se enquadra no nível de alfabetização Elementar, que está um degrau acima dos analfabetos funcionais, mas, por exemplo, é incapaz de elaborar síntese de textos; e realizar cálculos de porcentagens e de juros. Estas habilidades só são dominadas por aqueles pertencentes aos grupos de alfabetização Intermediário (23% da população) e Proficiente (8% da população), sendo que somente nessa última classe encontram-se os indivíduos julgados pela pesquisa como plenamente capazes de entender e se expressar por meio de números e palavras.
  Dentre as inúmeras análises apresentadas a partir dos dados coletados, chama muito a atenção o fato de que os números não são radicalmente diferentes, quando são comparadas as populações que estão trabalhando, com desempregados e pessoas que nunca trabalharam, por exemplo. Dentre aqueles que estão empregados, 25% são analfabetos funcionais e apenas 9% proficientes, nos termos acima discutidos. Assim, sendo generoso nos arredondamentos, em um ambiente de trabalho que seja representativo da média do país, para cada 10 pessoas  trabalhando encontraremos 2 analfabetos funcionais e apenas 1 proficiente, com os demais distribuídos entre as demais classes de alfabetização. Em uma empresa com 1000 funcionários, é natural encontrar cerca de 250 analfabetos funcionais e apenas 90 proficientes. Reflita sobre esses números e tente não ter um AVC... São nesses termos, com esse grau de compreensão nas comunicações, que nós, brasileiros, convivemos em nosso cotidiano. Dentro desse cenário expomos nossas ideias, justificamos nossas escolhas, defendemos nossas posições e, eventualmente, escrevemos textos, e-mails e relatórios para nos comunicar.
  A análise destes dados me fez lembrar de alguns trechos do romance Pastoral Americana, publicado em 1997 pelo escritor americano Philip Roth, um dos meus autores prediletos. Em uma reflexão maravilhosa e bastante apropriada à realidade dos números expostos pelo Inaf descritos acima, Roth enuncia: "Já estamos entendendo errado as pessoas antes mesmo de encontrá-las, enquanto ainda estamos prevendo o que vai acontecer; entendemos errado enquanto estamos diante delas; e depois vamos para casa e contamos a alguém sobre o encontro, e de novo entendemos tudo errado. Uma vez que a mesma coisa acontece com os outros em relação a nós, tudo vira uma ilusão desnorteante, destituída de qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensões." E mais adiante: "Persiste o fato de que entender direito as pessoas não é uma coisa própria da vida. Viver é entender as pessoas errado, entendê-las errado, errado e errado, para depois, reconsiderando tudo cuidadosamente, entender mais uma vez as pessoas errado. É assim que sabemos que continuamos vivos: estando errados. Talvez a melhor coisa fosse esquecer se estamos certos ou errados a respeito das pessoas e simplesmente ir vivendo do jeito que der. Mas se você é capaz de fazer isso... bem, boa sorte."


Philip Roth, autor de Pastoral Americana (1997).  

  É evidente que Roth aqui está indo muito além do que os números do Inaf atestam. Ele inclui na discussão todas as nuances que envolvem as personalidades humanas, o que torna ainda mais difícil a interpretação dos números e das palavras, tarefa para a qual, já sabemos, apenas 8% dos brasileiros são plenamente habilitados. Acho essa passagem tão interessante, que não me atrevi a sintetizá-la com minhas palavras e preferi fazer a transcrição tal qual consta na edição traduzida para o português, publicada pela Companhia das Letras. Mas gostaria de chamar a atenção, antes de seguir adiante, para as últimas frases do trecho transcrito acima.
  Penso que Philip Roth considera aterrorizante a ideia de seguir tocando a vida em frente, em meio a essa ilusão caótica e desnorteante de incompreensões. Posso estar plenamente equivocado na minha interpretação (e isso só sustentaria a tese do próprio autor de que estamos sempre errados a respeito das pessoas), mas a sua biografia e a sua produção literária me fazem crer que ele, na verdade, alerta para nossa responsabilidade de entender e tentar ser compreendido. E não há como desenvolver esse raciocínio, sem lembrar de outro ícone da literatura contemporânea, que nos alertou sobre a responsabilidade de ter olhos enquanto outros os perderam. José Saramago, no seu Ensaio Sobre a Cegueira (1995), escreve sobre uma sociedade tomada por uma epidemia de cegueira, que traz à tona as necessidades mais básicas e mesquinhas dos seres humanos. Mas ao mesmo tempo, trata de uma resistência ao obscurantismo dominante, representado pela única personagem da história que mantém a visão em meio à epidemia. Analfabetos funcionais ou portadores de cegueira branca contagiante. Talvez estejam todos lado a lado, lutando para sobreviver e expondo a responsabilidade daqueles que tem proficiência para enxergar.


Oliveira em frente à Casa dos Bicos em Lisboa,
onde as cinzas de José Saramago estão depositadas.

  Em comum, entre Roth e Saramago, além de estarem entre os maiores escritores da mesma geração, o fato de terem partido há pouco tempo (Saramago há alguns anos e Philip Roth há pouco mais de um mês). Como consolo aos que ficam, ambos deixaram uma vasta produção publicada em diversos idiomas, mas também um vazio na sociedade contemporânea, difícil de ser preenchido. Foram mestres na arte de entender o mundo e se fizeram compreender como poucos, sem jamais renunciar a responsabilidade e o compromisso que carregam os Proficientes.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

De que barro você é feito?

 Breve reflexão sobre conformistas, artistas e ceramistas

O conformismo, em sua definição formal, corresponde ao conjunto de atitudes daqueles que, passivamente, cumprem os preceitos e aceitam as ideias e mentalidades vigentes em um determinado local e período de tempo. Enxergou sua própria imagem refletida no espelho ao ler a definição? Talvez não, mas posso assegurar que a este grupo pertence a maioria dos indivíduos que têm habitado as mais diversas civilizações ao longo do tempo.
Bernardo Bertolucci fez um grande filme sobre o tema, que nos permite pensar a respeito do assunto. Lançado em 1970, o Conformista trata de um professor de filosofia (Marcello Clerici, interpretado por Jean-Louis Tringant) que almeja se adequar à sociedade da sua época. O detalhe é que Marcello vive na Itália dos anos 1920 e sua adequação passa pelo conformismo aos ideais desse período, onde a "normalidade" era representada pela violência e perversidade do regime vigente - o fascismo. Mesmo sem convicção, mas movido pelo desejo de "normalidade", Marcello casa-se com uma jovem fútil ligada ao regime fascista e recebe a missão de assassinar seu antigo professor de filosofia, que atua como opositor do regime.

O Conformista (1970), de Bernardo Bertolucci

O que move os conformistas, capazes de agir contra suas convicções em busca dessa dita "normalidade" é uma questão intrigante... Reconheço nesse comportamento a busca pela aceitação da sociedade e um certo instinto de sobrevivência. Some-se a isso uma boa dose de manipulação e já temos ingredientes suficientes para obter um conformista capaz de se adequar a qualquer forma de pensamento vigente. E eles (eu deveria dizer nós, para ser mais preciso) serão (quase) sempre maioria!
Felizmente, o mundo não é feito só de conformistas. Há alguns indivíduos que tem o hábito de romper com a "normalidade" e por vezes gostam de bradar aos quatro ventos suas convicções transgressoras. Não é uma regra, mas particularmente na classe artística podemos nos fartar de exemplos desses sujeitos. Arnaldo Baptista, não por acaso também conhecido como Lóki, quando compôs a brilhante Balada do Louco, atestou para quem estivesse disposto a ouvi-lo "...eu juro que é melhor não ser o normal" e ainda "...louco é quem me diz e não é feliz, não é feliz!".

Arnaldo Baptista (Lóki)

Mas foi Jorge Amado, exímio contador de histórias e criador de personagens memoráveis da literatura brasileira, que buscou discutir, ao seu modo, a diferenciação entre artistas, intelectuais, conformistas e revolucionários. Em seu romance São Jorge dos Ilhéus, publicado em 1944, o poeta Sérgio Moura explica para Joaquim, mecânico ligado ao Partido Comunista, porque os artistas e intelectuais vivem em torno de suas convicções, sem mergulhar de fato na luta que idealizam. Segundo ele, os intelectuais e artistas sonham um mundo diferente através da arte e de suas reflexões, mas ficam de fora dele, rodando em torno como perus. E por que? Porque não são feitos do mesmo barro que os conformistas e tampouco dos militantes que buscam ação. De acordo com ele, esse barro é uma espécie de lama, que agarra essas pessoas até os cabelos e os mantém presos: "Nós somos feitos de outro barro, diferente de vocês. O nosso barro é frágil, vira lama com facilidade... Ah! Com muita facilidade".

Jorge Amado

Em tempos onde voltamos a flertar tão abertamente com o fascismo, talvez essa reflexão sobre o tipo de barro que nos constitui, ainda que nada nova, seja necessária. Nesse sentido, indaguei há algum tempo um amigo ceramista, sobre as diferenças entre os barros que ele utilizava para fazer suas peças de cerâmica. Para minha surpresa, ele respondeu: "Não sei porque vocês se preocupam com isso. Barro é tudo igual". Será mesmo??

segunda-feira, 18 de junho de 2018

A Greve de Eisenstein e as greves segundo Guima.

 Às vésperas do centenário do clássico do cinema russo, Guima apresenta síntese contemporânea implacável do significado dos movimentos de greve nos dias atuais



Sergei Eisenstein foi um cineasta revolucionário, que mudou a história do cinema e influenciou grandes diretores como Orson Welles, Brian de Palma e Oliver Stone, dentre outros. Sua filmografia é relativamente curta - pouco mais de dez longas - para os nossos padrões de produção atuais, mas suas contribuições foram tão marcantes, que seu nome é sempre lembrado em qualquer lista a respeito dos maiores cineastas de todos os tempos.


Sergei Eisenstein

Seus filmes mais conhecidos são o Encouraçado Potemkin (1925) e Ivan, o Terrível (1944). O primeiro foi feito para celebrar o regime bolchevique, recém inaugurado na URSS. E o segundo foi realizado a pedido de Stálin, que era profundo admirador do czar. Sua obra, a exemplo da maior parte da produção soviética da época, é marcada por um profundo engajamento político.
Nesses dias, tive a oportunidade de assistir pela primeira vez o primeiro longa metragem da carreira de Eisenstein: A Greve, lançado em 1925. Se você não está familiarizado com cinema mudo, prepare-se para uma grata surpresa. Em geral, ao contrário do que se imagina, os filmes produzidos nessa época têm muita ação e não são nada difíceis de assistir. A Greve (trailer abaixo) é um belíssimo filme, que se baseia na trágica história de um operário de uma fundição, que se suicida após ser acusado de roubar um micrômetro da fábrica. O ocorrido serve de estopim para que os operários organizem a greve citada no título do filme.



É impossível assistir o filme e não refletir a respeito de quão atuais são as questões abordadas. Assim pensei, até me encontrar com o Guima, alguns dias depois de assistir o filme. Ele refletia sobre o episódio recente da greve dos caminhoneiros no Brasil e muito rapidamente sintetizou seu pensamento a respeito das greves, de uma maneira geral: "Esse negócio de fazer greve não dá em nada. Você pode ver: sempre que fazem uma greve, só serve para causar prejuízo!" e emendou "no começo parece uma boa, mas depois o pessoal começa a cortar os salários, ameaçam demitir os funcionários,... e tudo volta como era antes. Bobagem esse negócio de greve!"
Talvez eu ainda estivesse influenciado pelo filme do Eisenstein e após ouvir com perplexidade, argumentei: "mas é proibido por lei demitir funcionários que fazem greve, né!?" No que ele prontamente rebateu com um sorriso no canto da boca: "ahh... não demitem na hora, mas depois sempre arrumam um pretexto, uma crise que exige redução do quadro de funcionários e pronto! Esse negócio de greve não funciona".
Saí da conversa um tanto aturdido. Me lembrei do filme, das conquistas trabalhistas históricas obtidas por meio das greves, mas tudo me pareceu tão distante... O Guima, com suas doses cavalares de realidade seca e cortante, tinha razão mais uma vez: "Esse negócio de greve, não dá em nada".
A propósito, para quem não sabe, o Guima é o meu cabeleireiro. Ele tem tido cada vez menos trabalho nas visitas mensais que eu faço para ele e eu tenho aprendido cada vez mais a respeito desse mundo real.